terça-feira, 26 de maio de 2009

Onde cair morto?




Ia a sair de uma papelaria, tinha ido comprar um caderno para fazer um diário da minha banda, um coisa engraçada onde conste todas as situações pelas quais a banda vai passando, todas as brincadeiras, um memorando...Afinal somos todos tipos novos...
Quando vou a sair da livraria, olho para os anúncios (para verificar se ainda lá estava o meu das explicações) e foi então que vi o anúncio da foto! Garanto-vos que a princípio pensei que era alguém a oferecer-se para tomar conta de animais domésticos mas depois olhei melhor e alto lá: o anúncios é de alguém que se oferece para tomar conta de idosos!
Deu-me um súbito medo de envelhecer. Senti medo de olhar para o relógio, de respirar, de pestanejar... Afinal um dia também serei idoso, todos seremos e será que alguém vai querer tomar conta de nós? Será que alguém vai ligar para um anúncio destes para nos entregar? Será que há alguém com uma casa com muitas "celas" onde alimenta e limpa os idosos?
Não sou contra quem cuida de idosos e lhes dá o afecto que muitas vezes eles necessitam, aliás, dou imenso valor a isso!
Deve ser fantástico chegar a velhinho e ter tanto para contar, uma longa vida...mas ainda melhor será ter alguém que nos escuta com atenção e carinho.
Não gostei da maneira como este anúncio foi redigido. Espero, e isto é muito sincero, que a pessoa que redigiu o anúncio não seja, com os idosos que quer cuidar, a amargura das palavras que preenchem o anúncio.
Há que ser profissional, mas quem disse que carinho e afecto não fazem parte do profissionalismo?


António Campos Soares

domingo, 3 de maio de 2009

Descansa em Paz...


Ao entrar no quarto olhei para o fundo do corredor e lá estava o meu avô a olhar para mim, por detrás de uma grande retrato a óleo feito quando ele ainda era vivo. Passei minutos a olhar para ele e a recordar tudo o que passei com ele, tudo o que ele me ensinou, as saudades provocadas pela sua partida há dez anos. Parece tudo tão recente. Às vezes tenho a sensação de ouvi-lo a chamar por mim ou a dizer-me algo que me tornou naquilo que sou. Entrei no quarto com lágrimas nos olhos, sentei-me na secretária e liguei a aparelhagem. Nada mais nostálgico do que recordar o passado a ouvir a Yesterday dos Beatles. Tinha um bloco de notas em cima da secretária e comecei a escrever:

Para sempre como meu anjo

Em muitos anos passados,
Nunca te escrevi uma ode,
Nunca gravei o teu nome num epitáfio,
Não lamentei a tua perda em minhas palavras
Só para que vissem o meu sofrimento.
Chorei horas sem fim
Sempre resguardado pela noite,
Sempre envolto de recordações
E de palavras que me foste deixando.
Serei eu capaz de dignificar um anjo,
De dar-lhe um nome,
E poder agradecer-lhe toda a sua protecção?
Agradeço-te os milagres,
Agradeço-te o caminho,
Agradeço-te a luz, a força, o orgulho…
Agradeço-te quem sou,
Modelado pelas tuas únicas e convictas palavras.

Pela primeira vez desde que partiste consegui dedicar-te algo. Já tinha tentado vezes sem conta fazer uma música dedicada a ti mas nunca saiu nada. Tudo não passou de tentativas frustradas, mas naquela noite consegui. Perdi a noção do tempo a olhar para o que tinha escrito e, por fim, lá coloquei o poema na minha caixa das recordações, junto a uma velha foto em que eu estava contigo a pescar. Não imaginas a falta que mesmo hoje me fazes. Gostaria que visses o quanto cresci, em quem me tornei, o quanto sou parecido contigo, quantos sonhos já realizei, quantos objectivos ainda tenho para realiza...No outro dia fui a um casamento e quando vi a noiva abraçar o seu avô comecei a chorar...
Triste de mim que não te vou ter ao meu lado, sim, neste momento choro, é tudo tão recente. Dez anos não são nada na longa vida que ainda há pela frente e enfrentar toda a vida sem ti, essa dor dilacera-me profundamente, é uma angústia terrível.
Vejo a tua netinha Ana Pedro,minha irmã, ela é tão feliz...Muitas vezes saí, com lágrimas nos olhos por ela não te puder conhecer. Serei eu digo de lhe falar de ti? Espero, pelo menos, ser para ela, um pouco daquilo que foste para mim...
Ainda hoje se em casa falam de ti, não aguento, parece que foi ontem.
Há uns anos decidiram passar videos de natais antigos numa noite de consoada, mas não aguentei ver-te ali no ecrã, vivo e sorridente, e olhar à volta e não estares lá.
Faz-me como tu, nunca me abandones, avô querido...


Descansa em paz...

António Campos Soares