sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Esse dia que anseio

Anseio o dia
Em que acordarei
Para quem realmente sou.
Até lá,
Continuarei entregue ao anonimato,
A mais um número...
Anseio esse dia,
Preciso de adormecer afortunadamente.
Os olhos
Sentem uma necessidade feroz de transbordarem lágrimas,
Assim como todo eu,
De corpo dorido por toda a realidade que me açoita...
Mas não choro,
Não choro...
Não por vergonha...
É a vontade de um instigador desassossego,
Que me corrói como parasitas
Em constantes afazeres.
Por fora, cordial,
Dentro, uma cidade em ruínas
Sem um único leito de conforto.
Bastaria uma noite de repouso inefável,
A noite desse dia que anseio,
Ainda que no mais tortuoso dos berços.
E o sono vem,
Fraqueza de condição,
Fecho os olhos e adormeço...
Desperto cansado, inquieto, paralisado,
Ausente, envenenado,
Como se todos estes dias
Fossem vividos sem uma única noite,
Em que o âmago descansasse
Sobre os seios da liberdade.


António Campos Soares

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Ainda algum dia iria acontecer...

Joane, 6 de Fevereiro de 2012

Durante o jantar, a minha irmã Ana apontou para o retrato do meu avô materno que estava na parede.

- É o avô, Ana! - Disse a minha mãe.

Eu estava a meter uma garfada de comida à boca e levantei ligeiramente o olhar para a minha irmã.

- O avô Guilherme? - Perguntou a Ana.
- Não, este é o avô António. É o meu pai. - esclareceu a minha mãe

A Ana olhou para mim, associando o nome.
Arranjei uma desculpa para ir à cozinha. Falar do meu avô com toda a minha família à volta provoca-me uma nostalgia ainda maior. No entanto, apesar de estar na cozinha continuei atento à conversa.

- Onde está o avô António? - Perguntou a Ana.
- Tu sabes, Ana, já te expliquei.- respondeu a minha mãe.
- No cemitério? - questionou a minha irmã astutamente.
- Sim, o corpo está no cemitério e a alma foi para o céu para a beira de Jesus. - explicou a minha mãe.
- No céu? Com Jesus?
- Sim...
- Vamos rezar, mamã!
- pediu a minha irmã.

Enquanto rezavam, entrei na sala de jantar, pensando que a conversa terminaria ali.

- Olha, mamã, o avô está a rir para mim! - disse a Ana, apontando entusiasmada para o quadro.
- Mas não dá para ver muito bem isso nesse quadro, Ana. - Disse a minha mãe.
- E quando vem o avô? - perguntou a Ana.
- Vem um dia, Ana. - respondeu a minha mãe.
- Um dia!?... - e a Ana ficou a divagar e a imaginar.

O quanto eu gostaria de saber o que significaria para a minha irmã, Ana, esse "Um dia"...




Um abraço, avô...

António Campos Soares