O lado afortunado da vida é ter amizade como bonança...
Instituto Missionário Coração, Coimbra, 2004
Estava eu no 11º ano, no seminário. As minhas dúvidas vocacionais arrastavam-se já há dois anos, mas sentia-me bem ali. A minha fé estava cada vez mais abalada, mas estava bem ali. Sentia-me bem em família. Sentia-me acolhido.
Apesar de todas as dúvidas que me tiravam o sono, eu tinha uma certeza: naquele ano eu iria formar uma banda a sério:
“P’rós lados da música esta merda está a correr muito bem...e já tenho um início de uma banda. Eu e o Nemo somos os leaders.
Constituições: voz: Pedro
Guitarra solo: António Soares
Guitarra Ritmo: Antonino
Baixo: Xavier???
Bateria: João Pedro???
Os primeiros concerto serão capazes apenas de ser acústicos. Tipo, duas guitarras acústicas e voz. Começamos pelos bares. Penso que o primeiro dos melhores concertos vai ser na escola da minha mãe porque vai ter todos os instrumentos essenciais para o rock. Vai ser espectacular. É só preciso dedicação....o melhor do rock vai explodir.” (03-10-2004)
Foi aqui que tudo começou. Éramos os Lost Soul, o Xavier e o João Pedro tinham alinhado. Quatro putos inocentes em busca do estrelato, num sonho infinito, dentro das quatro paredes do Basófias que, por sua vez, estava dentro das quatro paredes do seminário. No entanto, o nosso sonho foi mais longe. Apesar da troça dos colegas que nunca acreditaram em nós, apesar das “bocas” dos formadores, não desistimos. Alguns, mais influenciáveis às vezes tremiam mas, sempre que foi preciso, puxámos uns pelos outros.
Comecei a vestir preto, a deixar crescer a pêra, a javardar, a minha mente foi-se abrindo...olhei para tudo de outra maneira, foi aí que também comecei a adorar o que escrevia, tanto a nível de poemas, como músicas que ia compondo, foi aí que começamos, eu e o João Pedro, a seguir o culto da cerveja.
Os nossos Domingos eram marcados pela passagem no Cartola para encanar “dieseis” e cerveja à socapa. Tinha que ser assim, pois, no seminário também havia gente execrável, capaz de tudo para cair nas boas graças do Sr. Padre.
O Nando juntou-se à banda como percussionista...o destino vai juntando todas as peças!
A nossa primeira actuação caseira foi lá no seminário, no festival Capa Negra. Tocámos a nossa rockalhada com letras espirituais. Não me soube a nada e pelos visto, o que todos queria era um pouco de manteiga para barrar o pão. Também outra coisa não se podia esperar.
O ambiente começou a piorar depois das férias da páscoa de 2005...
Se o lado afortunado da vida é ter amizade como bonança, então, é essencial saber qual a medida ideal da bonança. Interpretem como quiserem, mais não digo, não vale a pena desenterrar venenos de há tanto...
O Pedro foi expulso da banda, pois, uma banda não anda para a frente com gente que só está lá para o estilo, para ter miúdas e beber umas copadas!
“Quanto à banda, nós queremos mandar o Pedro embora porque não tem os requisitos que nós queremos e porque não sabe nada de música, não escreve uma letra, não compõe uma música, não canta uma múscia em condições, não toca nenhum instrumento.” (09-05-2005)
O Nando substituiu o Pedro na voz, passámos a ser os Lightning Shadows. Aí sim, começou o que viria a ser uma espectáculo pelos três anos seguintes: amizades fortes, bons concertos, grandes momentos, borracheiras de caixão à cova, miúdas “tolas” pelo "man" da guitarra, da bateria, do baixo ou da voz...desde que fosse músico, era capaz de seduzir qualquer miúda. O quanto me ri às custas disso...
Demos o nosso primeiro concerto em 2005, na escola onde acutalmente lecciono espanhol e onde voltei a tocar no presente ano, mas isso é outra conversa!
No dia em que íamos dar o concerto estávamos a passear pela escola e gravar um vídeo de recordação, até que ouvimos alguém “Olha, queres ver? Vinde cá que ides levar duas chapadas cada um...”. Era uma funcionária da escolha que vinha atrás de nós pensando que a estávamos a filmar a ela. O Xavier fechou a câmara e demos de frosques às gargalhadas.
Didáxis, Vale São Cosme, 08-07-2005
“Finalmente (...) à tarde voltámos à escola mas, nesse dia, íamos ter o último ensaio e finalmente o concerto. (...) O concerto foi curto mas correu pelo melhor. Repertório:
American Idiot, Green Day
Dunas, GNR
Lost Soul, Lightning Shadows
Knockin’On’Heaven’s Door, Bob Dylan
Apresentação da banda com a Last Resort
When I come around, Green Day
Terrible Silence, Lightning Shadows
Queda do Império, Vitorino”
Obviamente que, naquela altura, todos excitados, não vimos nada de mal no concerto, tudo tinha sido perfeito, mas agora, ainda nos rimos muito com os nossos pregos. Lembro-me perfeitamente do João Pedro a resmungar com a bateria por esta estar a deslizar “Oh filha da p***...”Ouvi-o melhor a ele do que à minha guitarra!
No dia seguinte acordámos de manhã, no sótão de minha casa, com o João Pedro agarrado aos tomates, à janela, enquanto simulava disparos sempre que via um pássaro a passar! WTF!!!???
Nesse verão voltámos a tocar, mas em Carvalhosa. Deixámo-nos pagar o sistema de som. No entanto, tudo o que queríamos era tocar e encantar. E quem nos safou sempre foi o padre Humberto, que eu considero como um grande amigo e mentor. Não será demasiado dizer que se não fosse ele, nenhum destes cinco putos seria o que é hoje!
Carvalhosa, 27-08-2005
“...No dia 25 e 26, foram ensaios p’ro concerto de Carvalhosa. Finalmente, no dia 27, foi o grande concerto dos Lightning Shadows. Eu estava excitado com tudo. Eram duas da manhã e já o público ‘tava freneticamente à nossa espera e foi então que, com uma distorção vinda do meu amplificador, soaram os primeiros acordes da música When I Come Around dos green Day. O público foi ao rubro. Tocámos doze músicas:
When I Come Around, Green Day
Lost Soul, Lightning Shadows
The Reason, Hoobastank
Terrible Silence, Lightning Shadows
Dunas, GNR
Why, Lightning Shadows
Like a Puppet in Your Hands, Lightning Shadows
Last Kiss, Pearl Jam
Nothing Man, Lightning Shadows
Maria Albertina, António Variações"
Foi fantástico ver o mosh e ver o pessoal a saltar. A melhor sensação foi quando eu ouvi o público a tentar cantar os refrões das nossas músicas. Senti mãos a serem passadas nas minhas All Star pretas quando me cheguei mesmo à frente do palco. (...) Foi nesse concerto que eu senti mesmo o que tinha uma banda e que aquilo se tinha tornado para mim um objectivo. Somos como irmãos!”
O lado afortunado da vida é ter a amizade como bonança...Bem o dizes, João Pedro!
Tinha sido, na verdade, um grande concerto, mas não o melhor da carreira dos Lighnting Shadows.
As férias do Verão de 2005 tinham acabado, eu tinha saído do semiário, mas eles voltaram para lá, eu fui para o liceu de Joane.
Nesses meses que iriam até ao Verão de 2006 fomos ensaiando na Fábrica de Som, no Porto e íamos sonhando, divangando, compondo, vivendo e javardando, sem nunca deixar de ser bons rapazes, ou não!
Falando de bons rapazes, na verdade, éramos e continuamos a ser, no presente, apesar de a banda ater cabado, bons rapazes. Orgulho-me de dizer que nunca consumimos qualquer tipo de droga enquanto banda, quanto ao resto, já não é da minha conta, no entanto, enquanto banda, eu certificava que o consumo desse tipo subtâncias não ocorria.
O auge dos Lightning Shadows ocorreu entre Setembro e Novembro de 2006.
O Verão de 2006 parecia um deserto, nada de concertos, poucos ensaios, o Antonino, por motivos pessoais decide abandonar a banda, estávamos a desaniamar...mas, mais uma vezes, fomos convidados para tocar nas festas da terrinha, por 200€. Naquela altura, aquilo pareceu-nos algo que nos poria ao nível de estrelas rock.
Foi nas festas em honra de São Bento, em Joane, num palco montado em cima de uma campo de couves, pois é! Na verdade, tínhamos um óptimo som e correu tudo pelo melhor. Tínhamos acrescentado a All The Small Things (Blink 182) e o Vira-Vira (Momonas Assassinas) ao repertório. O Vira-Vira passou a ser um dos nossos melhores covers e o público ria-se sempre quando eu fazia a parte do Herman. Imagine-se lá o esforço que eu não fazia para estar sério!
Foi fantástica a sensação de fazer 18 anos em cima de um palco...
No entanto, o verdadeiro momento da noite não foi esse. Umas duas semanas atrás quase fomos expulsos de Carvalhos, onde nos tinham prometido uma nova actuação, mas festeiros na vinhaça é o que dá.
Os nossos amigos de lá ficaram desanimados por não haver concerto, no entanto, mal confirmámos em Joane, avisei-os. Não tive uma única resposta.
“Cagaram p’ra nós, de certeza...”
Querem saber o que aconteceu? Caiu-me tudo...
Engoli estas palavras quando estava a tocar a Terrible Silence, em Joane, olho para o público e, afinal, eles apareceram, estavam lá com a mesma energia do ano anterior. Foi das melhores coisas que senti desde que ando pelas ruas da música.
No fim desse concerto, um sujeito vem ter comigo e diz-me “o que vos falta é gajas, gajas jeitosas a mostrar as pernas p’ra chamar povo”...Enchi-me de ascos, nojo, pejo, vontade de partir a cara àquele sujeito. Não desci de nível.
Um mês depois abrimos o concerto para a banda dele...O quanto eu me ri à pala deles. Nesse concerto, em São Martinho do Vale, fizemos um video da Nothing Man. Sim, esse video onde as miúdas berram por mim. Adoro quando o pessoal se junta e nos rimos de tudo o que passámos...
Mas antes disso, fomos convidados por uma lista do Liceu de Joane para tocar no Contempl’arte, no dia 31 de Outubro de 2006. Sabem que mais?
Este foi o nosso melhor concerto! Partimos tudo! Duzentas e tal pessoas para nos ver. Mal nos podíamos mexer. O público invade o balcão, sobe para as mesas, a casa é completamente nossa! Acabei a noite completamente bêbado com o João Pedro, ambos a javardar e a chatear o Picasso, dono do Contempl’arte!
No dia 15 de Junho actuámos no Liceu de Joane, nada de especial!
No ínicio do Verão de 2007, participámos num Tributo a Nirvana, realizado no mesmo bar com os Cratera e com os Ketamina. Outro concerto para arrasar, mas pela primeira vez na vida, tocámos todos bêbados, excepto o Xavier. O Nando já não atinava com as letras “lalalalala”, eu fiz o solo da Smells Like Teen Spirit com um garrafa de cerveja que tinha acabado de beber e o João Pedro, no fim, aterra atrás da bateria.
Esse foi o nosso último concerto! No entanto, a banda só se viria a espartilhar no final do verão de 2007, por motivos pessoais de cada membro!
Contávamos com 5 originais:
Nothing Man (letra e música por António Soares)
Lost Soul (letra e música por António Soares)
Why (letra e música por António Soares)
Terrible Silence (letra por António Soares e música por Antonino Sousa e António Soares)
Puppet in Your Hands (letra por Nando e música por Antonino)
Mais do que uma mera banda, fomos e somos ainda um grupo de amigos!
O Pedro, dizem que saiu do seminário no fim do 12º ano e foi para a universidade, a partir daí, desapareceu do mapa.
O Antonino, continua na vida religiosa, está actualmente no segundo de teologia na Universidade Católica, em Lisboa.
O João Pedro, no Verão desse ano, envereda no exército. Actualmente frequenta a licenciatura de Ciências da Educação.
O Xavier lincenciou-se em Ciências da Educação. Neste momento está em mestrado.
Para não fugir à regra, o Nando, ingressa também em Ciências da Educação, na Universidade do Minho, no entanto, ainda participou em alguns projectos comigo. Actualmente, já licenciado, está no mestrado em Recursos Humanos.
Quanto a mim, em Setembro de 2007, fui fazer Erasmus para Granada. Actualmente, formado em Línguas Aplicadas, sou professor de espanhol e alunos da Licenciatura em Línguas e Literaturas Europeias. Sou também docente de EMRC.
Eu e o Nando temos um projecto em comum, os ArtLeak!
Coma alcoólico…
O lado afortunado da vida é ter a amizade como bonança...
Fecho os olhos, em coma, vendo como a minha insanidade avança…
Tornando-se escuridão que encobre a luz d’uma vela acesa.
Luz da felicidade, que nunca irei alcançar …por fraqueza!
Sou espantalho animado por realidades inteligíveis…
Acordo ressacado deste pesadelo chamado Vida, asfixiado por sonhos inatingíveis…
Vivo num mundo de quimeras onde esqueço que sou um odiável comodista,
Sou um monstro… uma espécie de anjo “psicomasoquista”.
Se deus existe… que arda comigo no inferno!
Somos fruto da Primavera apodrecidos por este obscuro Inverno…
Procurando o antídoto para a minha inata crueldade…
Apenas engulo lágrimas provocadas pela injusta e confusa realidade…
Onde danço, paralisado, melodias de um distante e inocente passado.
O álcool é um machado, e eu que era o carrasco, estou agora decapitado.
Nesta psicológica guerra onde sou o único soldado,
Resta-me aguardar calmamente o momento de ser sepultado…
Dedicado ao melhor amigo do mundo…
(poema por João Pedro)
Biografia por António Campos Soares
1 comentário:
"ANTÓÓÓÓÓNNNNIIIIOOO"... muito bom! Deve ser uma excelente sensação. Imagino que nestes momentos, e embora sejam pequenos concertos, uma pessoa se sinta forte, intocável e talvez imortal.
Ainda não vi nenhum concerto teu mas não me esqueço... Há de chegar o dia :-)
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