Um dia vou escrever-te
uma carta, ou talvez já a tenha escrito – não sei ao certo onde e
"quando" estou. Será uma carta peculiar, que nunca
esquecerás, assim o espero. Será a minha última carta para ti, só
para ti, porque já terá o mundo desaparecido. Estaremos só, tu e
eu, num vazio e poeirento universo. Estaremos os dois, não
propriamente em carne e osso, mas em espírito, âmago, algo, aquilo
em que acreditares e se acreditares em alguma destas coisas. Desde
que a morte me enterrou dentro do ataúde, prometi que o meu âmago
apenas encontraria descanso quando te encontrasse e te entregasse
esta carta, que já foi um testamento, mas agora é demasiado tarde
para isso.
Porque me desapareceste
no dia em que prometeste voltar, não consegui fazer-te herdeira da
minha felicidade, não consegui delegar-te a minha força, não pude
deixar-te a minha vontade, nem pedir que me fizesses feliz naquele
minuto antes de partir eternamente e fixar-me no céu, cuidando-te
até que também tu viesses brilhar comigo. Foram duros os últimos
dias em que escrevi, resistindo a enfermidades que me arrastavam para
uma morte penosa e estas palavras foram escritas com sangue e
lágrimas. Perdoa-me se alguma delas é imperceptível, mas tentei encontrar-te e ler-ta, em vão.
Não pretendo que
amoleças este papel com lágrimas, não pretendo ocupar-te com
tristeza ou remorsos porque o culpado aqui sou eu, que sentindo-te
faltar, fui induzindo a minha morte. Apenas peço: recorda-me nesses
dias de esplendor em que sabia sorrir!
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