Viajou por muito tempo e vivia saudavelmente, alimentando-se de memórias e paixões. De cada substância que o alimentava guardava uma fragrância, que ia colhendo e colando em cada página do diário que sempre o acompanhava. Quando se sentia só, folheava esse precioso diário e tudo vinha ter consigo novamente: as memórias e paixões ganhavam traços tão definidos como quando os viveu intensamente. A fragrância era a parte física que restava dessas mesmas memórias e paixões.
Hoje está velho e sabe que lhe restarão poucos anos mas continua feliz. Decidiu deixar a sua vida nómada e realizar o seu último desejo para, assim, dar o seu último suspiro em plenitude. Comprou uma pequena casa de madeira numa clareira. O suficiente para acabar de escrever e rever as suas vastas memórias.
Assim, se instalou modestamente e, durante um ano, compilou todas fragrâncias da sua vida. No ano seguinte, cultivou o jardim à volta da sua casa, cruzando as memórias e as paixões e não tardou para que tudo começasse a crescer e todos aqueles aromas contagiassem a clareira. Adormecia com a janela do quarto aberta e, por aí, entravam as fragrâncias com as quais partilhava o pensamento, os sonhos, o leito...
Suspirou pela última vez numa tarde de verão, sentado no seu inesquecível jardim com o diário aberto sobre o colo, onde apenas escreveu a data desse último dia para o qual acordou, pois, o resto seria escrito por todas aquelas fragrâncias porque a felicidade é um misto de tudo aquilo que guardámos de melhor e, no seu caso, fez com que eles permanecem para quem quisesse conhecer e continuar o seu legado.
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