quinta-feira, 15 de julho de 2010

Fatalidade aroma

- Até logo! – disse ao fechar a porta, depois do jantar.

Afirmava para si mesmo, sozinho, ter terminado o seu vício, a sua obsessão, mas o faro levava-o aos mesmos recantos.

Caminhava nos mesmos becos por onde andou, sentava-se nos mesmos bancos onde, noutros tempos, também tinha repousado e observado.
No entanto, já não trazia os utensílios consigo, apenas as mãos nos bolsos, ou soltas quando as passava freneticamente no cabelo, sempre que se sentia perdido.

Orientava-se quase de olhos fechados, estímulos do passado, reanimando o seu subconsciente, quase esquecido ou reeducado. Mas o faro, o aroma, era, pois, a maior das tentações, era a voz que o clamava, reavivando todas as memórias, dando incentivo à obsessão…esse aroma, abrindo um álbum de memoires, há tanto e tão profundamente enterrado e selado.

Ela passou, formosa e elegante. Cabelos soltos e longos libertando o seu feminino aroma em direcção ao seu nariz, despertando nele os estímulos mais carnais que a sua condição poderia revelar.

Fixou nela o seu olhar e ela nele. Uniram-se num laço sem pontas. Uma atracção mútua no ar, num ambiente ofusco, de excelência excitante e extasiante, rumo a um desconhecido acto de prazer inebriante que poderia acabar num ninho de lençóis frescos.

Ele levantou-se em direcção a ela, que estranhou, esperando apenas o flirt de um estranho perdido naquela fria noite de Inverno.

Ele inspirava e suspirava como um aperitivo, ela apaixonava-se com os suspiros, sorrindo-lhe. As luzes dos candeeiros de rua tremiam.
Pararam e, novamente, olharam-se profundamente, um olhar de cordeiro, encontrando conforto, um olhar de lobo, encontrando a presa delicada perfeita.

No momento do beijo, quente e esperado, em que lhe acariciava o pescoço terno e suave, as suas mãos viris imprimiram uma força animal, enquanto a puxava cada vez mais para si, num apertado abraço, inalando todo o aroma exalado pelo medo.

Ele respirava e agarrava-a cada vez mais, até ao último espernear, até ao último gemido e, assim, foi até o corpo dela arrefecer nos seus braços. Sentou-a no banco, de onde tinha fixado, passou-lhe um lenço pelo rosto, cheirou-lhe os cabelos pela última vez e despediu-se dela, atirando-lhe um beijo, o seu único beijo…na mão, o lenço, contendo o aroma da efémera…

De volta ao lar, deita-se no leito, deixando suavemente o lenço estendido a seu lado. Dorme profundamente, enquanto gela o cadáver, apreciando a sua última noite de Inverno.


António Campos Soares

Sem comentários: