quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Memórias de Café VI - Coca-Cola com 7UP


Há pequenas coisas (à partida insignificantes) que nos ficarão para sempre na lembrança. Refiro-me, neste caso, a misturar Coca-Cola com 7Up.
Todos os dias, no final do jantar, saímos. Rua abaixo até ao Café Central.
Perguntava-me se já tinha feito os deveres, principalmente os de matemática e, não raras vezes, perguntava-me a tabuada. Outras vezes perguntava-me as dinastias ou os rios.
Entretanto, chegávamos ao café, cumprimentava as mesmas pessoas que ele, que sempre diziam que eu já estava um homenzinho e perguntavam se já tinha “moça”. Eu teria os meus sete ou oito anitos.
Ficávamos ao balcão. Eu pedia uma Coca-Cola e ele uma 7Up. Mal as bebidas eram postam no balcão, ele fazia questão de misturá-las para que a Coca-Cola não me tirasse o sono e fazia questão de que eu prometesse que não diria ao meu pai o que tínhamos bebido, que deveria dizer, caso o meu pai me perguntasse, que tomei um carioca de limão.
Enquanto eu saboreava a bebida fresca, ele via as chaves do totobola e do totoloto, via-as com os amigos, jogavam em sociedade. Também falavam da passarada e dos cães de caça.
Ao ser nove e meia, pagava e vínhamos nós, rua acima, até casa, numa tentativa de chegarmos antes do meu pai, para que, quando ele chegasse, me visse de pijama vestido, pronto para ir para cama.
Ia para o meu quarto mas acabava por me escapar para dormir com ele. Eu falava muito, aliás, ainda falo e, então, ele dizia-me que o primeiro a adormecer, no dia a seguinte, teria uma Coca-Cola ou uma 7Up. E adormecíamos…
E, assim foi, até ao dia em que lhe foi diagnosticado um cancro que o levou, em cerca de um ano, há cerca de uma década…
Não é que, hoje em dia, goste muito de Coca-Cola com 7Up, mas, de vez em quando, arrisco-me a tragar esse sabor, na ilusão de, quem sabe, abrir os olhos e estar ao balcão do Café Central ao lado do meu avô António.


António Campos Soares

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