quarta-feira, 1 de abril de 2009

Mártir da Liberdade II


A multidão acercava-se,
De joelhos, sentia o cheiro da morte,
Fedia a podridão.
Insaciáveis os olhos da multidão,
Devoravam-me incessantemente.
Morte, morte, morte!
Gritavam de punho fechado.
Mães e filhos
Convertiam-se em ferozes demónios,
Aguardando a chuva das minhas gotas de sangue.
Os meus últimos minutos,
Acompanhados de náuseas,
Enquanto olhava o céu.
O carrasco acercou-se,
Acariciando o seu machado.
Pobre ofício,
"Os teus remorsos de demência,
Serão estigmas letais."
Não podia erguer as mãos,
Todas as minhas forças
Afluíam para a minha mente.
“Profere as tuas últimas palavras,
Herege!”

De olhos no céu, ri sarcasticamente,
Enquanto o reflexo do machado erguido,
Iluminava a multidão extasiada.
“Serei pior morto que caminhando entre vós,
Rudes bestas!”

Silêncio,
Eis o último som que me deleitou.


António Campos Soares (in Lascas de Uma Rocha)

5 comentários:

Cristina Silva disse...

Tens a capacidade fenomenal de usar as palavras... Enquanto lia o poema era como se estivesse lá, a assistir à morte do martir da liberdade, ouvi o seu riso sarcástico, quase pude ver os seus lábios a contorcerem-se para pronunciar as suas derradeiras palavras... Antes morrer pelos nossos ideais do que viver segundo os ideais alheios! Penso que a sua morte o libertou para a vida! Enquanto os vivos que assistiam... esses não estão mais do que mortos.

Anónimo disse...

Senti-me uma das bestas a assistir ao 'trabalho' da Santa Inquisição... ou talvez me tenha sentido o herege demoniaco (livre?) morto pelo machado.

O teu texto baseado na História é sempre inspirador. eu gosto (;

António Campos Soares disse...

Hey pessoal =)
Gosto de ver que a todos nos toca um pouco de insanidade...Quem não tem este pouco de insanidade, simplesmente deixa que lhe cravem um código de barras na testa, onde todos o possal identificar e "dar uma palmadinha nas costas" de aprovação...Agora, quem nao tem esse código de barras (e a esses faço uma vénia) nesses em deposito confiança para o bom futuro da humanidade..."LIBERDADE"...
(",)

Anónimo disse...

ahah, dou.te 'uma palmadinha nas costas' porque, como eu, tambem acreditas em anjos terrenos. quanto a esses tenho provas :') há pessoas demasiado especiais , nao e?


e todo o texto do Deus ou Nao Deus por causa do trabalhinho de portugues.. a minha experiencia leva-me a acreditar que vou sair cansada deste! (x


beijinho*

António Campos Soares disse...

Quantos a anjos terrenos, desses provas não faltam...São os anjos de asas quebradas que não trocam este mundo pelo dito "monte dos Deuses", onde todos os deuses, divindades, anjos e criatura divinas nos olham com inveja...Assim como nós aspiramos à sua imortalidade, eles aspiram a algo muito maior: querem ser como nós que sabemos amar, que sabemos o que é aproveitar um só minuto e fazer desse minuto uma lembrança para toda a vida...e eles? O que é um minuto para eles? Será que sabem o que isso é? Não me parece...
E há também anjos celestiais, no entanto, antes de o serem, passaram pela Terra, viveram!
In Pace Requiescant!
Beijo