A minha visão está
turva. O que está na distância não é mais do que uma aguarela
cada vez menos nítida.
Não é só obra do que
enche este copo que me faz companhia. Todo o meu rosto está lavado e
não é apenas chuva, nem são apenas lágrimas. São dois tipos de
gotas ou gotículas unidos, como uma mão que lava a outra, como uma
boca que beija a outra, como dois corpos que se unem um ao outro, num
abraço ou sobre o deslizar de um lençol. As lágrimas salgam as
gotas de chuva e o chão onde caem prova um novo aroma. As gotas de
chuva confundem-se com as lágrimas e não é perceptível se choro
ou não.
Talvez porque choro à
chuva, porque faço dela uma confidente, nunca ninguém me viu a
chorar e passo por ser alguém com ventrículos de gelo. Posso limpar
os olhos para afastar as lágrimas, ou posso limpá-los porque a
chuva me continua a turvar a visão. Ou serão as lágrimas que, ao
se formarem, me embaciam os olhos? Ou será o vinho que já não me
deixa ver nitidamente?
Não distingo e ainda
bem, não quero dissipar esta confusão que não me atormenta. Não
me fixo apenas nas lágrimas ou na chuva, na dor ou no frio, nos que
partiram ou nos que partirão ou, pior, ainda, nos que vejo partir,
quando acontece e não há nada que possa fazer. Estou sozinho porque ninguém veio para a chuva
comigo. Porque não quiserem, porque estava frio, porque não se
queriam molhar, ou porque não convidei. O problema não terá que
estar sempre em apenas uma das partes!
Lágrimas de mágoa,
chuva que as vai dissolvendo, dando-me algum conforto. Arrojadas
gotas de chuva que me percorrem o corpo, como uma mão fria que me
acaricia e arrepia. Não quero levantar-me daqui, não pares chuva,
quero continuar a sentir-te. Dissolve a minha mágoa de saber que,
mais tarde ou mais cedo, todos os que conheço partem.
Hoje é uma noite de
chuva e sinto que o céu chora pelos mesmos motivos que também eu
choro, que tu choras, que alguém chorará também...Quando voltar,
voltarei apenas de uma circunstância em que andei banalmente à
chuva, mas, ainda que encharcado, voltarei mais leve, sem o incomensurável peso das lágrimas soltei e que, pela chuva, foi dissolvido e expiado.
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